Você costuma andar pelos mesmos caminhos de sempre, esbarra às
vezes com alguém e segue sua jornada. Então um dia acorda atrasado porque o
despertador não tocou, toma banho em cinco minutos e se veste em dois. Confunde
a pasta de dentes com o creme de barbear, faz uma careta feia e xinga a primeira
coisa que vê pela frente. Alcança as chaves do carro e a carteira, corre e
engasga com o suco de laranja. É, seu dia tinha tudo para dar errado, mas então
você vê toda a situação e começa a rir de si mesmo, faz do acontecimento seu
espetáculo pessoal.
Nessa risada toda, nesse trânsito impaciente do caminho até
o trabalho que você odeia, você percebe como aquele caminho parece diferente.
Talvez um prédio que nunca havia reparado antes, a vendedora linda da loja de bugigangas,
as árvores que mexem com o vento suavemente como em uma dança, alguns pássaros avulsos
que olham curiosos para os carros e depois fogem.
É assim, de repente, que você percebe que nessa busca de
algo para preencher o tempo, fazê-lo não ser somente um vão entre sua vida e
sua história, acaba por transformá-lo naquilo que sempre condenou: alguém motor,
monótono e previsível.
Decide sair da rotina, sai do carro e o deixa ali no meio da
rua, sabe que com aquela quantidade de latas velhas demoraria duas horas até
sair do lugar. Compra uma flor de plástico de uma velhinha, ajeita a gravata e
passa as mãos pelo cabelo. Desvia de alguns carros parados, fala bom dia para
um pedestre qualquer, entra na loja de bugigangas e dá a flor para vendedora
linda.
Ela sorri, diz obrigada. Pergunta se já se conhecem e ele
diz: "Há tanto tempo nos conhecemos. Há muitos outonos nos olhamos, mas nenhum
de nós enxergou realmente um ao outro".
O inesperado ocorre assim, diante dos nossos olhos e muda
muito do que há do mundo em nós. Passa
como um furacão que nos vira e desvira do avesso. Em um piscar de olhos acabamos
por perceber que para as coisas mudarem às vezes apenas um despertador quebrado
basta.
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