Já era dezembro e
ele ainda não havia recolhido as botas na soleira da porta.
Ninguém sabia ao
certo há quanto tempo elas estavam ali, mas sabiam que o homem que
as calçara se fora há muitas primaveras.
Ele gostava de
recolher as maçãs que caiam em seu quintal, jogava-as em uma cesta
e levava-as à vizinha, que por sua vez preparava uma torta e lhe
fornecia metade.
Nos feriados ele
dirigia até sua cabana do lago, que na verdade não ficava perto de
lago algum, mas de fato era uma cabana. Lá ele se lembrava de sua
amada, do seu cheiro de almíscar, do tom avermelhado de seus lábios
e de como seus olhos de cobre eram arredondados. Ele também se
lembrava de como era suave o toque de sua pele, de como suas meias
pareciam quentes em seus pés minúsculos, do cheiro de chocolate que
ficava na cabana após assar um bolo e de como ela o provocava quando
fingia esquecer a toalha do banho em cima da cama.
Aquele homem partira
e em seu lugar, ficara alguém que não se importava em colocar os
calçados para o lado de dentro da casa. As botas já estavam
desbotadas àquela altura.
Ao se olhar no
espelho não mais se reconhecia. Suas rugas em torno dos olhos
estavam acomodadas e suas mãos já não eram ágeis como antes. Não
conseguia mais carpir com destreza, tinha dificuldades em abrir a
janela e não conseguia se livrar da falta de vontade de levantar da
cama. Tudo seria tão mais fácil se a chaleira não apitasse, se o
maldito banco parasse de ligar, se os estranhos parassem de comentar,
se o mundo parasse de girar, se ele parasse, se tudo acabasse.
Vivera quase que
duas décadas esperando sua amada voltar. Queria sentir seu cheiro
novamente, queria mergulhar em seus cabelos e se esquecer de levantar
cedo para trabalhar. Queria que fosse ela a preparar a torta de maçã,
não a vizinha. Queria que estivesse lá, porque era sempre ela que
se lembrava de tirar os sapatos da frente da porta.
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